quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL - ESTUPRO, VIOLAÇÃO SEXUAL MEDIANTE FRAUDE E ASSÉDIO SEXUAL - APOSTILA - PROFESSOR LENILDO MÁRCIO DA SILVA



CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL - PROF. LENILDO MÁRCIO DA SILVA

São considerados crimes contra a liberdade sexual (Parte Especial do CP, Título VI, Capítulo I) aqueles descritos nos artigos 213 a 216-A do CP, quais sejam:


·1) estupro (art. 213);
·2) violação sexual mediante fraude (art. 215);
·3) assédio sexual (art. 216-A).


Os artigos 214 e 216 encontram-se revogados.


O primeiro delito contra a liberdade sexual descrito no CP é o de estupro, que tem a seguinte tipificação básica:


Estupro


Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

O crime em referência, em todas as modalidades, é considerado hediondo (art. 1º, V, da Lei nº 8.072/1990).



OBJETOS JURÍDICO E MATERIAL


Tem-se como objeto jurídico tanto a liberdade quanto a dignidade sexual (GRECO, 2010, v.III, p. 452). Ninguém pode ser forçado a práticas sexuais, sendo direito seu a escolha do parceiro com quem irá se relacionar. Tem-se em mira a liberdade de dispor do próprio corpo para práticas sexuais.


O objeto material é a pessoa (homem ou mulher) vítima do constrangimento.



SUJEITOS ATIVO E PASSIVO


Podem ser sujeito ativo ou passivo do crime de estupro tanto homem quanto mulher.


Outrossim, não pode figurar como sujeito passivo do crime menor de catorze anos, considerando que a relação sexual com pessoa nesta condição acarreta a incidência do art. 217-A do CP (estupro de vulnerável), seja o ato sexual forçado ou consentido.


O marido pode ser sujeito ativo do crime, tendo a esposa como sujeito passivo.


A prostituta também pode ser vítima de estupro.




TIPO OBJETIVO


Constranger significa forçar, coagir, obrigar. No estupro constrange-se alguém (ser humano – homem ou mulher).


O meio de execução é a violência ou grave ameaça.


A violência consiste no emprego de força física (conhecida como vis corporalis ouvis absoluta) para obtenção da satisfação sexual. Ocorre quando a vítima é efetivamente agredida, amarrada, ou de qualquer modo tolhida em sua capacidade de resistir através da aplicação de força física.

A grave ameaça consiste na violência moral (vis compulsiva).


No caso do estupro, a mesma interfere no plano psíquico da vítima, fazendo-a ceder, por intimidação, aos desejos do criminoso.


O mal prometido pode ser contra a própria vítima (ameaçá-la de morte, por exemplo) ou contra terceiros a ela ligados (dizer, p. ex., que vai matar o seu genitor se ela não ceder).


Não é necessário que esse mal seja injusto, podendo até ser justo (por exemplo: sujeito que força a vítima a manter relações sexuais com ele, ameaçando-a de denunciá-la por um crime que ela efetivamente praticou).

No delito em estudo, mediante violência ou grave ameaça, o agente constrange a vítima a: a) ter conjunção carnal; b) praticar outro ato libidinoso; c) permitir que com ela se pratique outro ato libidinoso.


A conjunção carnal consiste, na introdução do pênis na vagina. Limita-se a este ato.


Já o ato libidinoso consiste em gênero que abarca todos os atos voltados à satisfação da lascívia (por exemplo: sexo oral, masturbação, sexo anal etc.), sendo, inclusive, a conjunção carnal uma espécie de ato libidinoso.



TIPO SUBJETIVO


Pune-se a conduta do art. 213 do CP somente na forma dolosa.



CONSUMAÇÃO E TENTATIVA


Quando a prática for de conjunção carnal forçada, a consumação se dá com a penetração, parcial ou total, do pênis na vagina.


Outra forma de se consumar o delito é através da prática de outro ato libidinoso por parte da vítima constrangida. Esse ato libidinoso pode ser praticado nela mesma (sem contato físico com outra pessoa), no sujeito ativo ou em terceiros.

Pode, portanto, a vítima ser forçada, por exemplo, a se masturbar, a fazer sexo oral no agressor ou em terceira pessoa; em ambos os casos haverá o crime de estupro, que se consuma com a efetiva prática do ato libidinoso.


Por último, pode a vítima ser forçada a consentir que com ela se pratique outro ato libidinoso. Seria o caso, por exemplo, da vítima ser constrangida a permitir que o agente nela pratique sexo oral. Neste caso, também se consuma o delito com a efetiva prática do ato libidinoso.


A tentativa é possível nas três formas expostas , desde que, por razões alheias à sua vontade, o agente não consiga consumar o delito.


É possível o reconhecimento da desistência voluntária (art. 15 do CP), caso o agente, antes de consumar o crime, desista voluntariamente de sua prática, sendo que responderá apenas pelos atos até então praticados.


Por derradeiro, destacamos algumas situações que podem despertar dúvidas quanto à consumação do delito em estudo:


a) tratando-se de indivíduo que possui a patologia conhecida como ejaculação precoce, acaso pretenda consumar conjunção carnal ou sexo anal contra vítima coagida, se ejacula antes de concretizar seu intento, resta reconhecer a ocorrência apenas de tentativa se não tiver realizado no contexto outros atos libidinosos considerados autônomos;

b) no caso de homens acometidos de impotência coeundi (incapacidade de ereção peniana), acaso tentem estuprar alguém mediante penetração, estará caracterizado crime impossível (art. 17 do CP). Não cabe esta ressalva para homens acometidos de impotência generandi (incapacidade de procriação), pois esta não se confunde com a incapacidade de ereção.




FORMAS QUALIFICADAS


As qualificadoras do crime de estupro estão previstas nos §§ 1º e 2º do art. 213 do CP, conforme segue abaixo:


§ 1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:


Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.


§ 2o Se da conduta resulta morte:

Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.



IMPORTANTE


Nos casos de estupro tentado, em que sobrevém a morte culposa ou lesão corporal também culposa, entende a doutrina majoritária que deve o agente responder pelo estupro consumado qualificado, considerando a impossibilidade da ocorrência de crime preterdoloso tentado.

No caso de estupro contra menor de dezoito e maior de catorze anos, com resultado morte culposo em decorrência do crime sexual,incidirá apenas a qualificadora prevista no art. 213, § 2º, do CP. A idade da vítima não será valorada como qualificadora.



CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA


Para Nucci (2009, p. 17), com as inovações introduzidas pela Lei nº 12.015/2009:


O crime passa a ser comum (pode ser cometido por qualquer pessoa) e de forma livre (pode ser cometido tanto por conjunção carnal como por qualquer outro ato libidinoso). Continua a ser material (demanda resultado naturalístico, consistente no efetivo tolhimento à liberdade sexual); comissivo (os verbos do tipo indicam ação); instantâneo (o resultado se dá de maneira definida no tempo); de dano (a consumação demanda lesão ao bem tutelado); unissubjetivo (pode ser cometido por uma só pessoa); plurissubsistente (é praticado em vários atos).


Ressalte-se que apesar do crime em estudo ser comissivo, é possível que seja reconhecida a forma omissiva imprópria (comissiva por omissão). Acontece isso, por exemplo, no caso da mãe que, podendo evitar, nada faz para impedir o estupro de sua filha menor pelo padrasto.


Deve ela, no caso, responder pelo art. 213 do CP, considerando-se os termos do art. 13, § 2º, “a”, do mesmo Código.


ESTUPRO E IMPORTUNAÇÃO OFENSIVA AO PUDOR


O art. 61 da Lei de Contravenções Penais – LCP (Decreto-Lei nº 3.668/1941) prevê como contravenção a seguinte conduta: “Art. 61. Importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor: Pena – multa”. Já o art. 65 do mesmo DL descreve a seguinte infração penal: “Art. Molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável: Pena – prisão simples, de 15 (quinze) dias a 2 (dois) meses, ou multa”.


Guilherme de Souza Nucci (2009, p. 23) também leciona, referindo-se ao art. 61 da LCP, que “[...] atos de pouca importância, ainda que ofensivos ao pudor, não devem ser classificados como estupro (ou tentativa de estupro), comportando tipificação no cenário da contravenção”.


De fato, não podemos pretender submeter a uma pena de seis a dez anos uma pessoa que agarrou a outra e passou leve e rapidamente a mão em suas nádegas.


Quanto a alguém que, furtivamente, passa rapidamente a mão em parte íntima de terceira pessoa, também não é pertinente o enquadramento como estupro, pois no caso sequer há violência ou grave ameaça exigível pelo tipo.


Pode no caso haver a incidência do art. 61 da LCP (importunação ofensiva ao pudor) ou mesmo do art. 140 do CP (injúria), dependendo da situação concreta.



RESISTÊNCIA DA VÍTIMA


O crime de estupro depende da violência ou grave ameaça para sua caracterização. Nesse contexto, é óbvio que deve haver uma sincera resistência da vítima à prática sexual para o crime se caracterizar.


O dissenso, que deve ser expresso e só excepcionalmente presumido, também deve ser sincero e positivo, mas não se exige uma oposição irresistível ou que constitua um ato de heroísmo. Não basta que a vítima diga não ao ato sexual. Deve haver uma oposição sincera e materialmente demonstrada.


Também não se exclui a incidência do estupro quando inicialmente a vítima consente, mas depois, não querendo mais, é forçada a prosseguir.



CRIME ÚNICO E CONTINUIDADE DELITIVA


A doutrina majoritária construída diante da Lei 12.015/2009 passou a entender que conjunção carnal e atos libidinosos forçados praticados em um mesmo contexto fático levam à caracterização de um crime único de estupro; e se ocorrem em momentos distintos, mas estiverem presentes os requisitos do artigo 71 do CP, restará configurada a continuidade delitiva.


Preenchidos os requisitos do art. 71 do CP, também é possível o reconhecimento da continuidade delitiva mesmo que em estupros contra vítimas diferentes (CAPEZ, 2011, v. 3, p. 47).


O posicionamento quanto ao reconhecimento da continuidade delitiva entre as violações sexuais através de conjunção carnal e aquelas levadas a efeito via outros atos libidinosos (conduta antes prevista como atentado violento ao pudor – art. 214 do CP) tem reflexo, inclusive, em fatos ocorridos antes da vigência da Lei 12.015/2009, por ser esta mais benéfica para os agentes. Assim, torna-se possível a revisão de condenações nas quais foi reconhecido o concurso material entre estupro e atentado violento ao pudor, cujas circunstâncias hoje autorizem vislumbrar a presença de crime único ou de continuidade delitiva (CUNHA, 2010, v. 3, p. 252; no mesmo sentido: STJ, 6ª Turma, HC 144870-DF, j. 09/02/2010).


O STF e o STJ têm reconhecido recentemente a continuidade delitiva entre os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, aplicando retroativamente a Lei 12.015/2009 (por exemplo: STF – HC 86110/SP; STJ – HC 139956/SP).




VIOLAÇÃO SEXUAL MEDIANTE FRAUDE


Está assim prevista no CP:


Violação sexual mediante fraude


Art. 215. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima:


Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.


Parágrafo único. Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.


Art. 216. Revogado.



OBJETOS JURÍDICO E MATERIAL


O objeto jurídico é a liberdade sexual.


O objeto material pode ser tanto o homem quanto a mulher.



SUJEITOS ATIVO E PASSIVO


Também tanto o homem quanto a mulher podem, em regra, ser sujeitos ativo e passivo.


Não pode figurar como sujeito passivo menor de catorze anos, considerando que a relação sexual com pessoa nesta condição acarreta a incidência do art. 217-A do CP (estupro de vulnerável), seja a relação sexual conseguida de forma forçada, mediante fraude ou mesmo consentida.



TIPO OBJETIVO


O delito descrito no art. 215 volta-se a reprimir as seguintes condutas: a) ter conjunção carnal com alguém mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de sua vontade; b) praticar outro ato libidinoso com alguém mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a sua livre manifestação de vontade.


O traço marcante do delito é a fraude como meio executório, daí a doutrina dar a ele o pseudônimo de “estelionato sexual”.


A conduta do agente tanto pode consistir em induzir a vítima em erro como em aproveitar-se do erro dela.

Na primeira hipótese, o próprio sujeito ativo provoca o erro na vítima; já na segunda, a vítima espontaneamente incorre em erro, mas o agente se aproveita dessa situação para manter com ela conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso.


O erro pode se dar quanto à identidade do agente ou quanto à legitimidade da obtenção da prestação sexual.


Conforme observado, a fraude faz a vítima ter uma falsa percepção da realidade quanto à identidade do agente ou quanto à legitimidade da obtenção da prestação sexual.


Na primeira situação tem-se como exemplo o caso da moça que namora com uma pessoa que tem um irmão gêmeo, sendo que este finge ser o outro para que a vítima consinta com a relação sexual pretendida.


Na segunda situação, cita-se o caso do curandeiro que convence mulher rústica a consentir que com ela se pratique ato libidinoso a pretexto de curar determinado mal.


A fraude empregada deve ser idônea a iludir, pois a fraude grosseira não pode ser considerada como meio executório do delito.


Além da fraude expressamente mencionada, a Lei também considera que o delito em estudo pode ser praticado através de “outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima”.


Sendo totalmente eliminada a possibilidade de resistência da vítima, não há espaço para incidência do art. 215 do CP, este somente aplicável nos casos em que o outro meio fraudulento utilizado apenas reduza a sua capacidade de resistência.


TIPO SUBJETIVO

Há a exigência somente do dolo inerente à conduta. Não é punida a forma culposa por ausência de previsão legal.


O parágrafo único diz que havendo finalidade de obter vantagem econômica com a prática do delito, deve-se aplicar, além da pena privativa de liberdade, multa.


CONSUMAÇÃO E TENTATIVA


O delito consuma-se, quando se tratar de conjunção carnal, com a introdução (parcial ou total) do pênis na vagina. Em se tratando de outros atos libidinosos, consuma-se com a efetiva prática de tais atos. A tentativa é perfeitamente possível.


Acaso a vítima, enganada pelo meio fraudulento utilizado, consinta com o ato sexual, e durante este perceba a fraude, mas mesmo assim resolva continuar, não haverá a incidência do art. 215 do CP. Por outro lado, se for forçada a continuar após perceber a fraude, deverá o agente responder por estupro (art. 213 do CP).




ASSÉDIO SEXUAL


Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.


Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.


Parágrafo único. (VETADO)


§ 2o A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos.





OBJETOS JURÍDICO E MATERIAL


O tipo tem como objeto jurídico a liberdade sexual, e como objeto material a pessoa (homem ou mulher) contra qual é dirigida a conduta tipificada.



SUJEITOS ATIVO E PASSIVO


Trata-se de crime próprio, pois somente pode ser praticado por pessoa que está na condição de superior hierárquico da vítima ou que tem ascendência sobre esta, em ambos os casos inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.


O sujeito passivo também é próprio, exigindo o tipo uma condição especial sua, qual seja, ser subalterno do autor"(CUNHA, 2010, v. 3, p. 254).



TIPO OBJETIVO


Para efeitos de assédio sexual, constranger significa embaraçar, perseguir com propostas, importunar etc; pois não é meio executório de tal delito violência ou grave ameaça.


Não configura o constrangimento proscrito pequenos gracejos ou mesmo convites inoportunos, mas de reduzidíssima ofensividade.


Sem imposição ou intimidação, o delito não se integra, porque não há constrangimento, nem ameaça.

Indispensável, pois, que se coloque a vítima em uma situação gravemente intimidadora, hostil ou humilhante.


Para melhor aclarar a noção de assédio sexual, veja-se a definição dada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) ao mesmo:


Atos, insinuações, contatos físicos forçados, convites impertinentes, desde que apresentem uma das características a seguir: a) ser uma condição clara para manter o emprego; b) influir nas promoções da carreira do assediado; c) prejudicar o rendimento profissional, humilhar, insultar ou intimidar a vítima.


Não podem funcionar como meio executório do assédio sexual a violência ou grave ameaça, pois se utilizados tais meios ocorrerá estupro, tentado ou consumado.


Pode haver ameaça objetivando o contato sexual, porém esta não poderá ser qualificada como “grave”.


A séria importunação deve ocorrer mediante abuso da condição superior (por hierarquia ou ascendência) do sujeito ativo em face da vítima, levando em conta relações de trabalho.


Desse modo, o assédio levado a efeito por pessoa que ocupa posto laboral similar ou inferior ao da vítima não leva à caracterização do delito.

A condição de superior hierárquico prevista no tipo somente é possível no âmbito da Administração Pública, segundo posição doutrinária predominante.


A ascendência tem relação com a superioridade exercida nas relações privadas de trabalho.


Nesse andar Nucci (2006, p. 828) propõe a seguinte delimitação:


SUPERIOR HIERÁRQUICO: trata-se de expressão utilizada para designar o funcionário possuidor de maior autoridade na estrutura administrativa pública, civil ou militar, que possui poder de mando sobre os outros. Não se admite, nesse contexto, a relação de subordinação existente na esfera civil.

ASCENDÊNCIA: significa superioridade ou preponderância. No caso presente, refere-se ao maior poder de mando, que possui um indivíduo, na relação de emprego, com relação a outro. Liga-se ao setor privado, podendo tratar-se tanto do dono da empresa, quanto do gerente ou outro chefe, também empregado.


Para ocorrer o assédio sexual incriminado, deve a condição de superior do agente ser determinante para a importunação da vítima.


Isso se extrai com clareza da expressão“prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função” contida na Lei.


EMPREGO consiste em relação trabalhista privada não eventual; CARGO diz respeito ao posto criado dentro da estrutura da Administração Pública; e FUNÇÃO consiste no conjunto de atribuições inerentes ao serviço público, não correspondentes a um cargo ou emprego.


Para que haja o crime, é indispensável que o sujeito ativo se prevaleça de sua condição de superioridade, de sua relação de mando no trabalho público ou particular e que exista o temor por parte da vítima de que venha a ser demitida, que não consiga obter promoção ou outro emprego etc. pela conduta expressa ou implícita do agente.


Assim, pode ocorrer uma grave importunação por parte do superior em relação ao subalterno sem que isso caracterize assédio sexual, se tal importunação, mesmo tendo ocorrido no ambiente de trabalho, não tiver vinculação com as relações laborais.


Por exemplo: se o chefe propuser para a subalterna, sem qualquer insinuação de prejuízo ou vantagem no trabalho; que acaso ela se relacione sexualmente com ele, ganhará um apartamento, isto nada tem a ver com a relação laboral (não existe, portanto, assédio sexual incriminado), mesmo que a cantada tenha ocorrido no ambiente laboral.



A exigência de que o embaraço imposto tenha vinculação com as relações laborais não conduz, entretanto, ao raciocínio de que o assédio somente possa ocorrer no ambiente de trabalho, como bem esclarece Luiz Regis Prado (2008, v. 2, p. 659):


O tipo legal não alcança tão-somente o assédio sexual ambiental (praticado no ambiente de trabalho), visto que a conduta delitiva poderá ser perpetrada fora do espaço físico laboral, desde que o agente se utilize de sua condição de superior hierárquico ou de sua ascendência sobre a vítima para assediá-la.



TIPO SUBJETIVO


Quanto ao elemento subjetivo do delito, somente admite a forma dolosa, não havendo previsão de modalidade culposa.


Há a exigência de finalidade especial do agente (elemento subjetivo do tipo específico) consistente no “intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual”.


De acordo com Nucci (2006, p.827): “[...] vantagem quer dizer ganho ou proveito;favorecimento significa benefício ou agrado.


O objetivo do agente deve ser, abusando de sua condição de superioridade por hierarquia ou ascendência, envolver o subalterno em uma prática de natureza libidinosa.


Essa vantagem ou favorecimento sexual pode ser tanto para o próprio agente quanto para terceiros (um amigo).


Caso o terceiro tenha ciência e queira a obtenção desses benefícios sexuais, haverá o concurso de pessoas.


De fato, o terceiro beneficiado com a conduta proscrita do assediador pode responder ou não pelo delito, dependendo se colaborou ou não para sua prática, pois assim como pode atuar de boa-fé, pode também assumir a posição de concorrente (art. 29 do CP) na prática delitiva.



CONSUMAÇÃO E TENTATIVA


A consumação se dá com o ato de constranger a vítima (mesmo que seja um único ato, pois não exige habitualidade).


Trata-se de crime formal.


Ocorrendo a vantagem ou favorecimento sexual objetivados pelo agente ter-se-á o exaurimento do crime, que não pode ser confundido com a consumação, que se dá com o constrangimento do sujeito passivo.


A tentativa é possível, apesar de difícil ocorrência.


Hipótese da modalidade tentada se dá quando o assédio é veiculado por escrito (carta, bilhete etc.), sendo o documento interceptado antes de chegar ao conhecimento da vítima, evitando-se assim que esta seja constrangida (isto porque se ocorrer o constrangimento, o crime estará consumado).



FORMA MAJORADA


§ 2º do art. 216-A:


“A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos”.


A incidência da majorante se dará se o fato ocorrer quando a vítima ainda não tenha completado dezoito anos. Idade esta que deve ser comprovada através de documento idôneo (art. 155, parágrafo único, do CPP).

Acaso o agente demonstre que desconhecia a idade da vítima, a incidência do erro de tipo poderá afastar a aplicação da causa de aumento.



IMPORTANTE


a) não há assédio sexual quando o constrangimento parte de professor em relação a alunos, pois estes não são funcionários do estabelecimento de ensino (o assédio pressupõe o exercício de emprego, cargo ou função por parte do assediado);

b) também não ocorre a infração penal em deslinde quando se tratar de assédio de líder religioso em face de fiéis tidos como subalternos na organização religiosa, pois também entre eles não há relação laborativa;

c) é possível o assédio sexual do patrão em face da empregada doméstica, pois neste caso há um exercício de emprego por parte da vítima. Em se tratando de doméstica diarista, entendemos não haver essa possibilidade, pois não há exercício de emprego, visto exigir este o traço característico de trabalho não eventual;

d) acaso o assédio seja dirigido a pessoa com menos de catorze anos o caso será de estupro de vulnerável (art. 217-A), consumado (se o posterior ato sexual ocorrer) ou tentado (acaso haja apenas o constrangimento sem a realização do ato libidinoso pretendido).

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