"Não serei o poeta de um mundo caduco. (...)"
(Carlos Drummond de Andrade - Mãos Dadas)
Ainda sou um idealista. É um fato. Incontestável, apesar de ser um advogado criminalista, e conviver diariamente com a miséria humana,e, talvez por isso, também seja um fato inconfessável, uma vez que a sociedade pune duramente a ingenuidade do ideal. Isso mesmo, em um mundo de aparências e corrupção, onde a "lei de Gérson" está impregnada até mesmo em culturas que nunca ouviram falar dela, ser idealista é ser ingênuo, e ser honesto é sinônimo de burrice. Mas, apesar disso, ainda sou um idealista.
E, justamente pensando em combater essa forma de pensar, que deteriora a nossa sociedade e inverte a escala de valores, adotei a docência. Profissionalmente, é certo, cumprindo todas as exigências solicitadas por tal atividade, como planejamento de aula, preenchimento de diários, realização de avaliações, elaboração de plano de curso, preocupação com a didática, e todos os requisitos técnicos exigidos para o desempenho do magistério. Entretanto, devo confessar que também vejo aí um sacerdócio, uma missão sagrada. Contribuir para a formação do profissional jurídico que dentro em breve estará atuando em nossa sociedade e formá-lo de maneira mais humana, sem, contudo, esquecer por um só momento também o aperfeiçoamento da técnica jurídica referente á disciplina ministrada.
Precisamos, urgentemente, de operadores jurídicos - advogados, promotores, juízes, defensores públicos e servidores do judiciário - mais humanos. A reforma do judiciário não ocorrerá verdadeiramente enquanto aqueles que o constituem não se reformarem intimamente, de maneira a não cumprir a vontade da lei, que é morta e fria, mas sim a vontade humana, que é viva e afetiva, que possui compreensão e compaixão, servindo-se essa vontade sim da lei, para aproximarmo-nos um passo mais do ideal da verdadeira justiça.
Infelizmente, a percepção é a mesma em relação às outras áreas profissionais. Precisamos também de médicos, fisioterapeutas, policiais, funcionários públicos, vendedores, publicitários, jornalistas,e, principalmente, professores mais humanos. Enfim, precisamos de uma sociedade mais humana. Precisamos de uma sociedade onde haja preocupação com o semelhante, onde prevaleça no comportamento humano a gentileza e a educação, onde sejam valorizados o idealismo e a honestidade. Onde as pessoas tenham a capacidade de colocar-se no lugar do próximo para compreender seus sentimentos e atitudes. E papel fundamental nessa transformação possui o professor.
O professor no ensino superior passa não só o conhecimento técnico referente à disciplina que ministra, mas a experiência profissional que possui naquela área específica de atividade profissional, conjugada com seus conceitos éticos relativos a situações concretas com as quais já se deparou. Dessa forma busca não só a transmissão do conhecimento, mas também orientar aos indivíduos, que durante um certo período de tempo são seus alunos, de que maneira devem empregar esse conhecimento adquirido.
O indivíduo/aluno será formado como profissional, e consequentemente, também como pessoa e cidadão, pela educação e orientação que recebe de sua família, pelas experiências que vivencia,e, também, pela sua bagagem cultural, enquanto membro de uma sociedade que obriga-nos diariamente ao relacionamento interpessoal. E aí, com certeza, influencia de maneira importante nessa formação, a atuação do professor, quer seja pela sua postura pessoal ou profissional, quer seja pelos conhecimentos técnicos ou de vida. Negar tal influência, é querer negar o inegável.
E, neste ponto, é necessário rechaçar completamente a teoria educacional do Empirismo, defendida por Locke e Hume, onde o indivíduo nasce pronto, com tendências ou não para determinadas atividades, pois crer nisso é abraçar o determinismo, é aceitar a realidade como ela está.
O indivíduo é construído pelas suas experiências e pelo desenvolvimento de seus conhecimentos. É preciso acreditar nisso. É necessário acreditar isso. Abraçar o Construtivismo de Piaget é crer na esperança, em um mundo melhor.
Dentro desse contexto, o professor desenvolve papel fundamental no processo de formação do indivíduo e transformação da sociedade. Daí a necessidade de um profissional mais humano, preocupado não só com seus alunos, e sim com os indivíduos, que são seus alunos, aos quais deve instruir e orientar. Não podemos esquecer da individualidade que é cada aluno e tratá-los como um todo, estabelecendo um padrão de ensino que é elaborado e aplicado para atender a necessidade de todos, e, caso isso não ocorra, recorramos ao Empirismo, nos conformando que determinados indivíduos não têm aptidão para a matéria. Temos que ter em mente a necessidade de individualizar ao máximo o processo de aprendizado, variando o ritmo de acordo com a capacidade de compreensão dos indivíduos. E aí entram as instituições de ensino.
O professor do ensino superior não pode aplicar esse ensino individualizado enquanto as salas de aula estiverem superlotadas com mais de cinquenta alunos, o que, embora muitas vezes ateste o bom nome da instituição, e favoreça o aspecto econômico, indubitavelmente gera uma certa perda de qualidade do ensino, favorecendo a prática do ensino padrão e do esquecimento da individualidade do aluno.
As instituições de ensino compõem o ensino superior e cabe a elas a definição do pensamento que deverá permear a mentalidade dos profissionais que formam: SE PREOCUPADAS COM O LUCRO E O CONHECIMENTO TÉCNICO, CERTAMENTE FADADAS AO TECNICISMO EDUCACIONAL, FAVORECIDO E IMPLANTADO PELA DITADURA MILITAR, QUE FORMARÁ EXCELENTES PROFISSIONAIS TÉCNICOS EM CADA ÁREA DO SABER, PORÉM FRIOS, E PREOCUPADOS SOMENTE COM O LUCRO ECONÔMICO, INCAPAZES DE MANIFESTAR GESTOS DE SOLIDARIEDADE PARA COM O SOFRIMENTO E A EUCARISTIA HUMANA; SE PREOCUPADAS COM O CONHECIMENTO TÉCNICO TRANSMITIDO E APLICADO DE FORMA REFLETIDA, COM A COMPREENSÃO DAS RESPONSABILIDADES E CONSEQUÊNCIAS DE SUA UTILIZAÇÃO EM CADA ÁREA PROFISSIONAL, ESFORÇANDO-SE NÃO SÓ PARA FORMAR UM BOM PROFISSIONAL, MAS TAMBÉM UMA PESSOA E UM CIDADÃO MELHOR, CERTAMENTE OBTERÁ PROFISSIONAIS HUMANOS, PREOCUPADOS EM ELIMINAR AS DORES E MISÉRIAS DE SEUS SEMELHANTES, CONSTRUINDO UMA SOCIEDADE MAIS JUSTA.
Cabe ás instituições de ensino superior questionaram-se sobre qual modelo pretendem adotar (ou continuar adotando?) e que tipo de profissionais pretende formar para atuarem na sociedade.
E, feita a opção por uma sociedade melhor, e aí nos cabe crer sempre no lado bom do homem, cabe ao professor conscientizar-se da importância de sua atuação na formação de uma sociedade menos problemática. Deixar de iludir-se com títulos de saber e preocupar-se, dia-a-dia, com a construção do conhecimento no indivíduo, pois embora muito importante o conhecimento adquirido e a sua valorização, muito mais importante é transportar esse conhecimento para o campo real, através das ações das pessoas, e dar-lhe um sentido prático, para conseguirmos evoluir em nossos comportamentos, em nossos sentimentos e em nossa tecnologia.
Se feita a opção das instituições de ensino superior pelo lucro, pelo valor econômico, cabe ao professor, num trabalho hercúleo, ir contra a correnteza, e, imbuído da importância de sua atuação, com a compreensão do sagrado que está inerente a sua atividade, esforçando-se por contribuir da melhor maneira possível na formação do indivíduo que chega até ele, e orientá-lo quanto a utilização do saber adquirido, de maneira a conferir-lhe a compreensão da extensão da palavra humanidade, já um pouco esquecida.
Enormes as responsabilidades que carregam nas costas as instituições de ensino superior e os docentes que fazem parte desse conjunto, pois é do ensino que apregoam e ministram que depende o nosso futuro.
Não serei o poeta de um mundo caduco, professando práticas arcaicas de ensino, que se preocupam apenas com o conhecimento técnico-formal, e esquecem-se do indivíduo.
A busca empreendida deve ser pelo conhecimento humano, refletido perante a realidade e permeado de valores éticos, que contribua efetivamente para a construção de indivíduos melhores e uma sociedade mais aprimorada e justa.